<font color=0094E0>Quem tem medo do referendo?</font>
Confrontadas com a impossibilidade de legitimar democraticamente o rumo federal e anti-social da integração capitalista europeia, as elites do poder económico e político decidiram avançar contra a vontade já expressa dos povos e impedi-los de renovar o Não em novos referendos.
A re-apresentação do conteúdo e objectivos essenciais da «constituição europeia» através do chamado «Tratado de Lisboa» é mais uma prova de que os dirigentes da União Europeia, tão apegados em palavras aos valores democráticos, afinal, só ouvem a vontade popular quando esta lhes convém, não hesitando em suspender os mecanismos de auscultação democrática sempre que perscrutam alguma hipótese de perder.
Embora agora fujam como gatos escaldados das consultas populares, declarando-as inúteis e desnecessárias, a verdade é que a prática dos referendos foi um método recorrente em vários países para aferir a aceitação popular ao longo do processo de integração. Mas neste jogo de aparência democrática, nem sempre o resultado das urnas foi aceite pelos governos.
Com efeito cedo se constatou que a única resposta com valor definitivo seria o «Sim», mesmo que obtida por uma escassa margem de votos. Nos casos em que o «Não» venceu, as consultas acabaram, quase sem excepções, por ser repetidas até produzirem o resultado pretendido.
Logo em 1972, no primeiro alargamento, vários tratados de adesão foram submetidos ao voto popular: na Irlanda, em 10 de Maio, na Dinamarca, em 26 de Setembro, e na Noruega, na mesma data. Esta última consulta determinou a não adesão dos noruegueses, votada com 54 por cento dos votos.
Os tratados de adesão destes três países e da Grã-Bretanha foram igualmente submetidos a referendo em França, em 23 de Abril do mesmo ano.
Também a Grã-Bretanha referendou os termos da adesão, em 5 de Junho de 1975, após a sua renegociação pelos trabalhistas que acusaram duramente o anterior governo conservador de ter assinado um tratado que sujeitava o país a condições económicas desastrosas.
Em 1994 os tratados de adesão da Áustria, Suécia, Finlândia e novamente da Noruega foram igualmente referendados pelos respectivos povos. Mais uma vez os noruegueses rejeitaram a entrada na comunidade, decisão que ainda hoje se mantém.
Resistência ao liberalismo
Outra vaga de referendos realizou-se a propósito do Tratado de Maastricht, já num contexto internacional marcado pela dissolução da URSS e de todo o bloco socialista europeu. O capital sentia que os ventos da história sopravam a seu favor e desfraldou velas.
Por seu turno, os trabalhadores começaram a ver postos em risco direitos fundamentais que até aí eram apresentados como o núcleo do chamado «modelo social europeu». O descontentamento com o rumo neoliberal manifestou-se claramente no referendo promovido em França, no dia 20 de Setembro de 1992, em que o «Não» a Maastricht obteve 49 por cento, frente à vitória tangencial do Sim com 51 por cento.
Três meses antes, os referendos realizados, em 2 de Junho, na Irlanda e na Dinamarca, já tinham dado sinais contraditórios. Contrastando com a aprovação folgada na Irlanda, os dinamarqueses votaram maioritariamente «Não», resultado que teria sido fatal para a Europa da moeda única, caso a sua vontade tivesse sido respeitada. Mas isso não aconteceu.
Uma monumental campanha de chantagem foi de imediato lançada contra a Dinamarca pelos seus 11 parceiros comunitários, que decidiram suspender o processo enquanto as autoridades daquele país se empenharam em transformar o Não em Sim, repetindo a consulta em 18 de Maio de 1993, isto é, menos de um ano depois do primeiro referendo.
Situação semelhante foi vivida na Irlanda, em 2001. Após a rejeição do Tratado de Nice em 7 de Junho, o governo irlandês insistiu, quatro meses depois, numa nova votação realizada em 19 de Outubro, parecendo determinado a repetir a formalidade até o eleitorado dar a resposta conveniente.
Os governos europeus mostraram assim com clareza que estavam dispostos a viciar as regras e princípios democráticos para eliminar qualquer resistência popular ao avanço dos projectos do grande capital.
Conscientes de que a construção do império federal só poderá ser feita contra vontade dos povos, os Vinte e Sete aprovaram, em Junho do ano passado, um acordo secreto para impedir a realização de referendos sobre a actual versão da malograda «constituição europeia».
As mentiras de Sócrates
Em Portugal, o PCP exigiu pela primeira vez o referendo sobre a integração europeia, em 1992, a propósito do tratado de Maastricht em 1992. Mas nessa como nas vezes seguintes (tratado de Amesterdão em 1998 e tratado de Nice em 2001), PS e PSD inviabilizaram a consulta.
A possibilidade de um referendo só foi de facto admitida por estes dois partidos a propósito do chamado «tratado constitucional», tendo realizado expressamente para esse fim uma revisão da Constituição da República Portuguesa (CRP).
Sem qualquer hesitação, o PS consagrou o referendo no seu programa de governo, onde se afirma: «O Governo entende que é necessário reforçar a legitimação democrática do processo de construção europeia, pelo que defende que a aprovação e ratificação do tratado deve ser precedida de referendo popular».
Mesmo depois da suspensão do processo de ratificação do projecto constitucional, o gabinete de José Sócrates continuou a reiterar o seu empenhamento no referendo, sublinhando que «qualquer outra solução seria inaceitável para o eleitorado e contrariaria o crescente interesse dos portugueses nas questões europeias», como declarou o ministro Santos Silva na Assembleia da República, no dia da revisão da CRP, em 23 Junho de 2005.
Rasgando mais uma das suas promessas eleitorais, e desta vez também um compromisso consagrado na Constituição, o primeiro-ministro foi ao Parlamento, no passado dia 9 de Janeiro, anunciar que não se realizará o referendo sobre o Tratado da União Europeia. Justificando-se, afirmou que o «Tratado de Lisboa (…) é diferente do antigo projecto constitucional» e que o compromisso do PS e do Governo se referia exclusivamente ao tratado constitucional.
Pouco importou a Sócrates que o seu homólogo espanhol, José Zapatero, tenha falado em semelhanças com o projecto constitucional para não referendar o tratado de Lisboa no seu país.
Como de resto, pouco importa a este governo o facto de a revisão da CRP de 2005, aprovada com os votos do PS já depois dos referendos na França e na Holanda, prever não um referendo sobre o tratado constitucional que já estava morto, mas sobre «a aprovação de tratado que vise a construção e aprofundamento da união europeia», como é indiscutivelmente o caso do «tratado de Lisboa».
Os patrões concordam
Eles dizem que…
«Está tudo decidido»
«Um referendo ao Tratado de Lisboa é “supérfluo” porque “já está tudo resolvido” e o problema de quebrar uma promessa eleitoral terá fácil resolução para José Sócrates: “vai encontrar as palavras certas para dizer isto à saída de uma reunião e no dia seguinte já ninguém se lembra”».
Belmiro de Azevedo, Chairman da Sonae SGPS
«Não é necessário»
«Consulta popular? “Talvez não” (...) “Fazer o referendo é aceitável mas não é necessário”, uma vez que o documento assinado pelos 27 estados-membros é «aceitável e minimamente equilibrado” e Portugal “tem sempre um opt-out de sair da União Europeia”».
António Carrapatoso, presidente da Vodafone Portugal
«O que interessa é a economia»
«Não se justifica o referendo. Estamos em período de fazer coisas. O referendo é uma politização e mais um debate que não vai trazer nada de novo. Portugal tem manifestado total adesão às questões europeias, e iria atrasar o processo. O que interessa é a economia andar para a frente».
Jorge Amorim, Amorim Turismo
«É um gasto de energia e dinheiro»
«O parlamento é suficientemente adequado para decidir esta questão. As experiências de referendo em Portugal têm-se revelado pouco participadas. É um gasto de energia e dinheiro desnecessário ao País neste momento».
Jorge Rebelo Almeida, presidente da Vila Galé
«É muito técnico»
«Não deve haver referendo. O Tratado trata de matérias processuais e administrativas que não têm necessidade de ser referendadas. É muito técnico e administrativo, exigiria um conhecimento profundo. As pessoas votam nos políticos e têm de confiar neles para negociar a este nível».
Pedro Rebelo Pinto, presidente da Pararede
Fonte: Diário Económico de 18.12.2007
Embora agora fujam como gatos escaldados das consultas populares, declarando-as inúteis e desnecessárias, a verdade é que a prática dos referendos foi um método recorrente em vários países para aferir a aceitação popular ao longo do processo de integração. Mas neste jogo de aparência democrática, nem sempre o resultado das urnas foi aceite pelos governos.
Com efeito cedo se constatou que a única resposta com valor definitivo seria o «Sim», mesmo que obtida por uma escassa margem de votos. Nos casos em que o «Não» venceu, as consultas acabaram, quase sem excepções, por ser repetidas até produzirem o resultado pretendido.
Logo em 1972, no primeiro alargamento, vários tratados de adesão foram submetidos ao voto popular: na Irlanda, em 10 de Maio, na Dinamarca, em 26 de Setembro, e na Noruega, na mesma data. Esta última consulta determinou a não adesão dos noruegueses, votada com 54 por cento dos votos.
Os tratados de adesão destes três países e da Grã-Bretanha foram igualmente submetidos a referendo em França, em 23 de Abril do mesmo ano.
Também a Grã-Bretanha referendou os termos da adesão, em 5 de Junho de 1975, após a sua renegociação pelos trabalhistas que acusaram duramente o anterior governo conservador de ter assinado um tratado que sujeitava o país a condições económicas desastrosas.
Em 1994 os tratados de adesão da Áustria, Suécia, Finlândia e novamente da Noruega foram igualmente referendados pelos respectivos povos. Mais uma vez os noruegueses rejeitaram a entrada na comunidade, decisão que ainda hoje se mantém.
Resistência ao liberalismo
Outra vaga de referendos realizou-se a propósito do Tratado de Maastricht, já num contexto internacional marcado pela dissolução da URSS e de todo o bloco socialista europeu. O capital sentia que os ventos da história sopravam a seu favor e desfraldou velas.
Por seu turno, os trabalhadores começaram a ver postos em risco direitos fundamentais que até aí eram apresentados como o núcleo do chamado «modelo social europeu». O descontentamento com o rumo neoliberal manifestou-se claramente no referendo promovido em França, no dia 20 de Setembro de 1992, em que o «Não» a Maastricht obteve 49 por cento, frente à vitória tangencial do Sim com 51 por cento.
Três meses antes, os referendos realizados, em 2 de Junho, na Irlanda e na Dinamarca, já tinham dado sinais contraditórios. Contrastando com a aprovação folgada na Irlanda, os dinamarqueses votaram maioritariamente «Não», resultado que teria sido fatal para a Europa da moeda única, caso a sua vontade tivesse sido respeitada. Mas isso não aconteceu.
Uma monumental campanha de chantagem foi de imediato lançada contra a Dinamarca pelos seus 11 parceiros comunitários, que decidiram suspender o processo enquanto as autoridades daquele país se empenharam em transformar o Não em Sim, repetindo a consulta em 18 de Maio de 1993, isto é, menos de um ano depois do primeiro referendo.
Situação semelhante foi vivida na Irlanda, em 2001. Após a rejeição do Tratado de Nice em 7 de Junho, o governo irlandês insistiu, quatro meses depois, numa nova votação realizada em 19 de Outubro, parecendo determinado a repetir a formalidade até o eleitorado dar a resposta conveniente.
Os governos europeus mostraram assim com clareza que estavam dispostos a viciar as regras e princípios democráticos para eliminar qualquer resistência popular ao avanço dos projectos do grande capital.
Conscientes de que a construção do império federal só poderá ser feita contra vontade dos povos, os Vinte e Sete aprovaram, em Junho do ano passado, um acordo secreto para impedir a realização de referendos sobre a actual versão da malograda «constituição europeia».
As mentiras de Sócrates
Em Portugal, o PCP exigiu pela primeira vez o referendo sobre a integração europeia, em 1992, a propósito do tratado de Maastricht em 1992. Mas nessa como nas vezes seguintes (tratado de Amesterdão em 1998 e tratado de Nice em 2001), PS e PSD inviabilizaram a consulta.
A possibilidade de um referendo só foi de facto admitida por estes dois partidos a propósito do chamado «tratado constitucional», tendo realizado expressamente para esse fim uma revisão da Constituição da República Portuguesa (CRP).
Sem qualquer hesitação, o PS consagrou o referendo no seu programa de governo, onde se afirma: «O Governo entende que é necessário reforçar a legitimação democrática do processo de construção europeia, pelo que defende que a aprovação e ratificação do tratado deve ser precedida de referendo popular».
Mesmo depois da suspensão do processo de ratificação do projecto constitucional, o gabinete de José Sócrates continuou a reiterar o seu empenhamento no referendo, sublinhando que «qualquer outra solução seria inaceitável para o eleitorado e contrariaria o crescente interesse dos portugueses nas questões europeias», como declarou o ministro Santos Silva na Assembleia da República, no dia da revisão da CRP, em 23 Junho de 2005.
Rasgando mais uma das suas promessas eleitorais, e desta vez também um compromisso consagrado na Constituição, o primeiro-ministro foi ao Parlamento, no passado dia 9 de Janeiro, anunciar que não se realizará o referendo sobre o Tratado da União Europeia. Justificando-se, afirmou que o «Tratado de Lisboa (…) é diferente do antigo projecto constitucional» e que o compromisso do PS e do Governo se referia exclusivamente ao tratado constitucional.
Pouco importou a Sócrates que o seu homólogo espanhol, José Zapatero, tenha falado em semelhanças com o projecto constitucional para não referendar o tratado de Lisboa no seu país.
Como de resto, pouco importa a este governo o facto de a revisão da CRP de 2005, aprovada com os votos do PS já depois dos referendos na França e na Holanda, prever não um referendo sobre o tratado constitucional que já estava morto, mas sobre «a aprovação de tratado que vise a construção e aprofundamento da união europeia», como é indiscutivelmente o caso do «tratado de Lisboa».
Os patrões concordam
Eles dizem que…
«Está tudo decidido»
«Um referendo ao Tratado de Lisboa é “supérfluo” porque “já está tudo resolvido” e o problema de quebrar uma promessa eleitoral terá fácil resolução para José Sócrates: “vai encontrar as palavras certas para dizer isto à saída de uma reunião e no dia seguinte já ninguém se lembra”».
Belmiro de Azevedo, Chairman da Sonae SGPS
«Não é necessário»
«Consulta popular? “Talvez não” (...) “Fazer o referendo é aceitável mas não é necessário”, uma vez que o documento assinado pelos 27 estados-membros é «aceitável e minimamente equilibrado” e Portugal “tem sempre um opt-out de sair da União Europeia”».
António Carrapatoso, presidente da Vodafone Portugal
«O que interessa é a economia»
«Não se justifica o referendo. Estamos em período de fazer coisas. O referendo é uma politização e mais um debate que não vai trazer nada de novo. Portugal tem manifestado total adesão às questões europeias, e iria atrasar o processo. O que interessa é a economia andar para a frente».
Jorge Amorim, Amorim Turismo
«É um gasto de energia e dinheiro»
«O parlamento é suficientemente adequado para decidir esta questão. As experiências de referendo em Portugal têm-se revelado pouco participadas. É um gasto de energia e dinheiro desnecessário ao País neste momento».
Jorge Rebelo Almeida, presidente da Vila Galé
«É muito técnico»
«Não deve haver referendo. O Tratado trata de matérias processuais e administrativas que não têm necessidade de ser referendadas. É muito técnico e administrativo, exigiria um conhecimento profundo. As pessoas votam nos políticos e têm de confiar neles para negociar a este nível».
Pedro Rebelo Pinto, presidente da Pararede
Fonte: Diário Económico de 18.12.2007